Actualidade do sindicalismo revolucionário.
Por Manuel Baptista
(coordenador do Colectivo Português da FESAL-E*)

O sindicalismo, ou é realmente revolucionário ou então se transforma num meio de controlo da classe dominante sobre a classe oprimida.

A tendência para a conciliação de classes não é insuflada apenas do exterior da classe trabalhadora. Antes, é dentro da própria classe trabalhadora que se forma uma tendência de conciliação de classes. Isto porque a organização capitalista do trabalho vai proporcionar e estimular uma constante diferenciação salarial, de condições de vida e de estatuto no seio dos trabalhadores. A artificial separação entre trabalhadores "manuais" e "intelectuais" é mantida por isso mesmo.
A única possibilidade de luta para os trabalhadores, dentro de uma sociedade dominada pelo capitalismo - onde há uma regressão de facto de todas as ideias generosas de igualdade e de solidariedade, devido à investida agressiva da ideologia globalista e neoliberal - é a organização autónoma.

Diz-me de onde te vem o dinheiro, dir-te-ei quem és!

Ou seja, se o dinheiro de uma organização de trabalhadores (um sindicato) vem apenas dos trabalhadores, principalmente de seus sócios e de outras organizações de trabalhadores solidárias com esta (e com a qual se encontra aliada/federada de uma forma ou de outra) não será impossível, mas será mais difícil, esta organização fazer pactos e acordos desvantajosos com o patronato e os políticos do sistema.

Se, pelo contrário, a organização de trabalhadores depende de subsídios do Estado, depende de "ajudas" de organizações regionais da globalização capitalista, como é o caso das organizações sindicais dos diversos países europeus que se encontram filiadas na CES (Confederação Europeia de Sindicatos), que são inteiramente dependentes de financiamentos da U.E., como se pode esperar independência, capacidade de luta, combatividade, de tais organizações?
- Que esperar, senão uma constante traição dos seus próprios associados (e da classe trabalhadora, em geral) à mesa das negociações?
- Que esperar, senão que firmem "pactos" que consagram a retirada de direitos e garantias duramente conquistados, ao longo de decénios de lutas de classes?
- Que esperar, senão o abandono das posições mais básicas, como sejam a própria defesa das convenções da OIT, ratificadas por sindicatos, patronato e governos dos diversos países europeus?

O problema que afecta o sindicalismo europeu não é apenas europeu.

Isto porque existe uma globalização e a Europa da U.E. é um dos actores dessa mesma globalização, que perpetua esquemas neo-coloniais e imperialistas em relação a vastas regiões do Globo. Por mais que os EUA sejam a super-potência hegemónica, não há dúvida de que as burguesias e governos dos países europeus participam também neste neoliberalismo e globalização, na mundialização da miséria.

Mas também, pelo efeito de atracção, sobre os trabalhadores de todo o Mundo, do modelo de "Estado social" europeu (wellfare state), apanágio dos estados europeus ocidentais na época 1950-1970, que começou a ser desconstruído com o teacherismo, nos anos 1980, e que continua a sê-lo, sistematicamente, quer os governos sejam conservadores, liberais, social-democratas sozinhos ou até em coligação com forças que (ainda) se dizem anti-capitalistas (exemplo: governos Jospin em França, com participação do P"C"F).

Verifica-se na história dos últimos cem anos, que sempre que houve um avanço significativo em termos de protecção dos direitos humanos e dos trabalhadores, inicialmente imposto pelos trabalhadores do mundo "desenvolvido", muito rapidamente os dos países em desenvolvimento começavam a reivindicar as mesmas garantias, obtendo -nalguns casos- sucesso e consagração de certas normas jurídicas mais favoráveis. Isto significa portanto também que a perda desses direitos e garantias será o sinal das burguesias e governos de países "sub-desenvolvidos" para os retirar de suas legislações gerais e laborais.

Basta pensar na involução/regressão social dos últimos 25 anos em Portugal, país europeu com padrões de desenvolvimento humano do chamado "Terceiro-Mundo", para perceber isso mesmo.

Infelizmente, o mesmo modelo tem sido aplicado à escala de todo o continente e à escala mundial, pelo neoliberalismo triunfante.

A aplicação do modelo involutivo, ou contra-ofensiva do capitalismo na sua fase "neoliberal", foi particularmente cruel no arrasar dos mecanismos sociais nos países ditos "socialistas" do Leste, em particular, nas sangrentas e bárbaras guerras de "partição étnica" na Jugoslávia, insufladas desde os governos alemão e austríaco (e com a benção de João Paulo II), que culminaram com uma campanha de terrorismo de estado, na chamada "guerra do Kosovo". Também aqui, o papel da CES foi claro pois, não só impediu qualquer resposta organizada do proletariado contra a guerra de agressão (a primeira guerra entre Estados europeus, desde o fim da segunda guerra mundial), como tomou uma posição de apoio à campanha criminosa da organização terrorista NATO, sob o pretexto de "libertar" o Kosovo.

As guerras do "Império" desde 2001, no consulado Bush, são também o reflexo da impotência e desorientação global da classe trabalhadora

Uma classe que se deixou tomar por dentro, ou seja, em que as burguesias diversas conseguiram cooptar discretamente os "líderes" operários, quer estivessem à frente de sindicatos, quer de partidos ditos "operários". Na realidade, um "partido operário", independentemente das puras intenções de seus fundadores, acaba sempre por ser da burguesia, pois são apenas filhos desta, com todos os seus tiques e preconceitos e sobretudo com uma imensa gula de poder sobre os outros, que acabam por controlar os órgãos de decisão e as partes essenciais do seu aparelho. Assim se desviam energias da auto-organização dos trabalhadores, tantas e tantas vezes, sem que as pessoas revolucionárias, mas ingénuas, percebam até que ponto andam a ser manipuladas.

Vemos, portanto, que a evolução internacional, aparentemente muito negativa para a classe trabalhadora, tem potencialidade de rotura a vários níveis e em todo o Mundo, devido à exacerbação da luta de classes: vejam-se os exemplos da América Latina dos últimos 5 anos, ou nos recentes desenvolvimentos da luta de classes em França.
Esta inevitável subida da confrontação global não poderá ser equacionada por ninguém, nem por um "comintern", nem por qualquer outra "elite" revolucionária.

Isto acontece debaixo dos nossos olhos, independentemente da existência de uma força revolucionária organizada forte ou hegemónica, em tal ou tal país. Assim sendo, varrem-se todas as ilusões do leninismo e do mito da construção do "partido", ou seja, de que apenas sob a direcção do "partido" as "massas" poderão fazer a revolução. Pelo contrário, a realidade social contemporânea vem confirmar os pressupostos teóricos do sindicalismo revolucionário, na sua visão mais ampla, menos sectária... o que nos dá ainda mais segurança para nos orientarmos e organizarmos segundo tais princípios e métodos.

A unidade não é um fim em si mesmo e constrói-se na luta

Com efeito, temos de saber com quem nos devemos unir. Se com os que têm os mesmos propósitos ou se com os que -afinal- estão ao serviço directo ou indirecto do inimigo?
É que sabemos muito bem que estamos metidos numa vasta guerra de classes, cujo desfecho apenas ocorrerá, caso ocorra, após o triunfo mundial da Revolução Social.
Se continuarmos a dar cobertura e crédito aos burocratas sindicais, estabelecendo alianças e calando as verdades sobre esses aliados dos nossos inimigos, que podemos esperar? O proletariado continuará dramaticamente impotente, os homens e as mulheres que, de uma ou outra maneira, produzem tudo. Os mesmos proletários que poderiam fazer parar a máquina de guerra (de todas as guerras) e reorganizar o mundo sob novos princípios.
Sendo assim, apenas podemos encontrar os caminhos da luta, erguendo o nosso sindicalismo do século XXI, ou seja, um sindicalismo apontado para a destruíção definitiva do monstro capitalista, um sindicalismo enquanto expressão genuína e legítima dos trabalhadores organizados, aquele que -por defender a verdadeira independência de classe- não admite ingerências de organizações não-sindicais na vida interna dos sindicatos e onde os membros tomam as decisões em assembleias, seguindo o método da democracia directa, vinculando as direcções, do nível local ao confederal.

No ano do centenário da Carta de Amiens, do Congresso da CGT francesa.

(* FEDERAÇÃO EUROPEIA DE SINDICALISMO ALTERNATIVO - EDUCAÇÃO